Um brinde à Psicologia!

Hoje é 27 de agosto e eu já me preparo para abrir minhas redes sociais e as encontrar recheadas de fotos e textos de amigos e colegas de profissão, declarando suas satisfações e amor pela Psicologia. Minha sensação é de que vivemos um dia de aniversário coletivo. Entre amigos mais próximos, combinar um encontro para brindarmos a data é atividade certa no ano. Parece que compartilhamos a marca da descoberta de uma parte fundamental da nossa identidade. Eu que me inquieto a compreender o funcionamento e as motivações humanas, quanto a este dia não é diferente. De onde viria essa relação que parece coletivamente apaixonada por nossa profissão? 

Não me cabe responder pelos colegas, mas, ao ser estimulada por um dos curadores do Sublimação, logo me pus a refletir (e imediatamente a me emocionar) sobre a minha relação com a Psicologia. Um percurso de muitas descobertas que me trouxe até a formação psicanalítica.

Rapidamente conto como descobri meu rumo profissional. Após dois vestibulares para medicina, um médico amigo da família me convidou para ir ao hospital com ele, acompanhando-o na rotina com os pacientes. Ele, uma pessoa completamente apaixonada e dedicada à sua profissão. Daquelas que podem motivar qualquer jovem indeciso a seguir aquele rumo, pela empolgação do apaixonamento. Pois bem, eu não estava indecisa. Eu queria cursar medicina. Aos 18 anos dizia que queria tratar da saúde das pessoas… O acompanhei apenas para confirmar a decisão. 

No entanto, ao longo daquela manhã percebi que eu queria escutar as pessoas, suas histórias, suas culturas, saber de coisas que estavam além do fazer médico daquele contexto que eu estava presenciando, pelo menos. Eu não me interessei pelos exames necessários, tampouco pela patologia que era o objeto de cuidado e discussão entre o médico, o estagiário e a residente. Eu queria saber do ser humano que estava ali. Porque não havia acompanhante com ele? Por quais motivos demorou a procurar o tratamento após um diagnóstico de tumor cerebral? E outras tantas perguntas me passaram pela cabeça naquela manhã. Assim como entrei no hospital, também saí decidida e sou extremamente grata ao médico que me oportunizou ter esta clareza. “Obrigada por me trazer até aqui! Vou cursar psicologia!”, disse a ele na porta de saída. Ele, numa mistura de surpresa e satisfação, respondeu: “que sejas tão apaixonada e envolvida com a tua escolha profissional quanto eu sou com a minha”.

Meses após aquela manhã, ingressei na primeira turma de Psicologia da FURG. Ao longo dos cinco anos de curso fui confirmando minha decisão na medida em que ia descobrindo a amplitude da Psicologia. E, sim, fui me envolvendo e apaixonando por cada disciplina. 

Anatomia, fisiologia, anatomo fisiologia do sistema nervoso, neurociências, antropologia, filosofia, estatística (sim, estatística!), processos psicológicos básicos… psicologia do desenvolvimento humano, introdução à psicanálise - essas duas últimas com especial atenção e dedicação. Seguindo as disciplinas, veio humanismo, terapia cognitivo comportamental… psicologia transcultural (nesta visitamos comunidades quilombolas, indígenas, e centro de umbanda e candomblé), e outras tantas. Aprendi que Psicologia é uma ciência de humanas e da saúde.  É o estudo do humano em estado amplo, do social, das diferentes culturas, da política, dos fatores que podem impossibilitar o bem viver… logo é estudo da saúde mental, trata do ser humano no mundo. Assim, as aéreas de atuação são múltiplas. RH, orientação profissional, psicologia escolar, institucional e comunitária, do esporte, clínica e suas mais de 400 abordagem de tratamento, pesquisa, muita pesquisa. Isso pra citar algumas das possibilidades desta profissão. 

Ela foi reconhecida e regulamentada no Brasil como ciência e profissão apenas em 27 de agosto (daí a data!) de 1962. Cito um texto etirado do site do Conselho Federal de Psicologia: “ao longo dessas seis décadas tem se fortalecido como espaço de atuação técnica, científica e política de promoção de cuidado à saúde e da dignidade humana”.

Ao longo dos cinco anos de graduação, fui confirmando que esta era a profissão que me proporcionaria vivenciar o desejo despertado naquela manhã no hospital. Foi esta base trazida pela psicologia que me trouxe à formação psicanalítica. Embora eu tenha despertado para o trabalho com a clínica apenas no último ano do curso, as primeiras leituras que me recordo do primeiro ano do curso são os cinco casos de Freud (e Breuer), começando com Ana O, na disciplina de introdução à psicanálise. Na sequência vieram Klein, Winnicott, Kohut, Bion e também Daniel Stern, Brazelton e Cramer, entre outros. 

Pra mim a Psicologia e a Psicanálise sempre andaram juntas. Lembro da minha surpresa ao saber que muitos institutos de formação psicanalítica não aceitavam psicólogos há alguns anos. Me parecia um contrasenso… Winnicott talvez considerasse um paradoxo. Que seja! 

Não sei se consegui a costura que desejava ao iniciar esta escrita. No entanto, finalizo este texto comemorativo ao dia de hoje com um poema que escrevi há poucos dias, após uma das minhas sessões de análise.  Penso que sintetiza um tanto deste percurso.  O dedico, aqui, aos meus colegas profissão, Psicólogos, e de formação psicanalítica. 

verba(na)lizar

                por Valéria R Silveira 

se parar e pensar são

verbos continentes

falar é

conteúdo

ele traz outro junto:

libertar

e transforma

liberta(a)dor

e o escrever...

ah! esse é

verbo de ligação.

Brindemos ao nosso dia, colegas! Um excelente 27 de agosto para todos nós!

Valéria Rodrigues Silveira

Analista em formação do Instituto de Psicanálise Sergio Abuchaim da Sociedade Psicanalítica de Pelotas (SPPEL/FEBRAPSI/IPA)

Imagem: "O Círculo e seus amigos", de Beatriz Milhazes

 

5 Comentários
JOSE FRANCISCO ROTTA PEREIRA
40 dias
Um texto autoral, um depoimento que nos traz a coerência e a lógica do processo secundário e nos encanta e eis que surge o primário e desnuda a alma e nos facina pois nos suga para dentro dele e o fazemos nosso dividindo-o com a autora. Parabéns.

Responder
Isadora Pellegrini Zorzella
40 dias
Valéria, quanta sensibilidade e paixão no teu texto. Obrigada por colocar em palavras o quanto a psicologia e a psicanálise significam no nosso fazer diário. Teu poema encanta!

Responder
Isadora Pellegrini Zorzella
40 dias
Valéria, quanta sensibilidade e paixão no teu texto. Obrigada por colocar em palavras o quanto a psicologia e a psicanálise significam no nosso fazer diário. Teu poema encanta!

Responder
Isadora Pellegrini Zorzella
40 dias
Valéria, quanta sensibilidade e paixão no teu texto. Obrigada por colocar em palavras o quanto a psicologia e a psicanálise significam no nosso fazer diário. Teu poema encanta!

Responder
Rosaura R Pereira
39 dias
Parabéns Valéria, texto lindo e sensível como és ! Feliz dia do Psicólogo!

Responder
Deixe um comentário