O legado de Bion

A contribuição de Bion para a psicanálise é mais do que um corpo organizado de teorias e de teorias da observação psicanalítica. Além de ter produzido uma teoria sobre o funcionamento da personalidade (Teoria do Pensar - 1962a); uma teoria sobre o desenvolvimento da personalidade (Apreender com a experiência - 1962b; Elementos da psicanálise - 1963 e Transformações - 1965) e uma teoria sobre o trabalho clínico (Notas sobre Memória e Desejo - 1967), ele trouxe as contribuições de Freud e Melanie Klein para um registro compatível com a visão científica do século XX.

​Sabemos que Freud explorou a mente tendo a Transferência como instrumento; Melanie Klein deu continuidade, tanto utilizando a transferência como o ampliando via a Identificação Projetiva. Bion também se valeu destes dois instrumentos, com sua teoria de pensar e teorias de observação, a grade e a teoria das transformações. Nesta última integra a Transferência (como transformações em modo rígido), a Identificação Projetiva (como as transformações projetivas), ao lado de outras formas de transformação que ele descreve, ao discriminar pensamento de alucinose, também as operações opostas ao conhecimento (-K), as transformações em ser ou tornar-se a realidade. Temos aí uma teoria de funcionamento mental, mais sofisticada e bem mais abrangente que as do funcionamento neurótico e psicótico

​Mas suas contribuições não ficam somente nas teorias, há uma inflexão metodológica e epistemológica centrando o trabalho analítico na elaboração da experiência emocional compartilhada na sessão e assim modificando o estatuto dado as teorias em nossa prática clínica.

​Mudança na técnica também descrita, é a necessidade de sairmos do mundo conhecido para alcançarmos estas outras dimensões, daí a regra técnica proposta: “sem memória, sem desejo e sem necessidade de compreensão”. A intenção é focalizar níveis mais primitivos da experiência nos quais a escritura do pensamento é o caos.

​Bion esteve no Brasil, em São Paulo, por quatro vezes, onde proferiu inúmeras supervisões coletivas e palestras, a convite de Virgínia Bicudo, que já foram e estão sendo transcritas para o português e outras línguas, onde podemos observar o “Analista Bion em ação”; além das supervisões proferidas em Buenos Aires, Nova York, seminários Italianos (...) algumas já publicadas.

​Importante dizer que suas obras só serão entendidas por quem pratica a psicanálise, não se deve buscar entendê-las intelectualmente e sim afetivamente, deixar que elas façam a transformação dentro de nós. O leitor erudito poderá entender aspectos do seu pensamento, mas dificilmente esse pensamento fará parte intrínseca de seu ser.

​Foram muitas as mudanças na psicanálise propostas por este homem, que quando indagado dizia achar não ter feito nada além de Freud e Klein. Nunca quis formar escola, achava que as teorias deveriam ser somente modelos a serem descartados.

Muito ainda a dizer sobre este autor, mas seria interessante finalizar, com uma frase dele mesmo (1979):

​“Eu espero ter dado a vocês alguma ideia do enorme trabalho que é preciso realizar para atendermos pacientes e para atingir um estado mental que é compatível com o exercício da psicanálise.”

Beatriz Hax Sander

Psicanalista e presidente da SPPEL/FEBRAPSI/IPA 

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