O Legado de Heinz Kohut

Kohut, criador da Psicologia Psicanalítica do Self, nasceu em Viena, no dia 03 de maio de 1913. Filho de Elsa e Felix, casal judeu que teve um único filho. Seu pai foi um pianista famoso que abandonou a carreira musical após a primeira guerra, onde serviu, para dedicar-se ao comércio. Sua mãe, com seu temperamento forte, deixou marcas importantes em sua vida. Suas primeiras experiências escolares foram em sua casa, com tutores contratados por Else. Frequentou a mesma instituição de ensino em que Freud se graduou. Kohut parece ter tido uma educação refinada e erudita e sua solidão da juventude foi atenuada por um tutor que o acompanhatividades culturais, museus, óperas.

Concluiu seus estudos de medicina em 1938, na Universidade de Viena e, na década de 30, analisa-se com August Aichhorn, um inovador em seu tempo com sua técnica com menores delinquentes.

O ano de 1938 foi um ano conturbado, principalmente para o povo judeu. Sua análise com Aichhorn foi interrompida com a ocupação da Áustria por Hitler e foi através dele que Kohut soube da partida de Freud de Viena, escapando da perseguição nazista. Da plataforma da estação ferroviária pode assistir sua partida, fato que teve um significado muito inspirador. 

Em seu livro “Heinz Kohut- The Making of a Psychoanalyst”, Charles Strozier escreveu: Este evento tornou-se para Kohut o que ele chamava um “mito pessoal” (...). A cena evocava duradouras continuidades vienenses num mundo fragmentado (...). A despedida de Freud veio no momento que tanto foi o ‘ponto baixo de minha vida’ como a ‘fonte dos meus mais importantes compromissos com o futuro. Eu era jovem, o mundo que conhecia, a cultura na qual havia crescido, tinha desmoronado. Não havia nada em que me segurar’. De repente, ele se encontra quase sozinho na plataforma, saudando com seu chapéu o grande fundador da Psicanálise, com o trem levando Freud para longe. Este momento na estação de trem tornou-se ‘a gênese para meu futuro profissional e científico’ (Strozier,2001, p58. Tradução de Renato O. Barauna e Pedro Henrique B. Rondon.)

Em 1939 seguiu seu mestre e emigrou para a Inglaterra. Lá viveu num campo de refugiados até conseguir seu visto e seguir para os Estados Unidos. Fez residência em Neurologia e Psiquiatria durante a década de 40 na Universidade de Chicago e iniciou sua análise didática com Ruth Eisler. Inspirado naquele “momento mágico” na plataforma da estação, iniciou sua formação analítica em 1946.

Kohut casa-se com Betty Meyer, assistente social, posteriormente psicanalista e, em 1950 conclui sua formação no Instituto de Psicanálise de Chicago. Ano fértil, que lhe traz o primeiro e único filho, Thomas.

Foi professor de metapsicologia freudiana como docente do Instituto de Chicago por 18 anos e dedicava-se ao estudo de Freud com afinco, recebendo o carinhoso apelido de “Mr. Psychoanalysis”.

No ano de1953 apresenta um trabalho em colaboração com Philip Rubovits-Seitz onde insere a dimensão relacional na constituição do psiquismo humano, ao lado da dimensão pulsional. 

Apesar do profundo respeito e até idealização da figura de seu mestre, em 1957, apresenta seu artigo “Introspecção, Empatia e Psicanálise - Um Estudo da Relação de Observação e Teoria”, propondo que o método empático -introspectivo seria como uma imersão do analista na vida psicológica do paciente, abrindo caminho para sua proposta de uma Psicologia do Self.

A Psicologia do Self iniciou com a obra de Heinz Kohut. Ele observou que alguns pacientes não apresentavam as respostas esperadas com as interpretações clássicas formuladas, por mais corretas que estivessem. Muitos fatores contribuíram para tal observação, como a predominância de distúrbios fronteiriços e narcísicos de personalidade. Kohut dedicou-se aos transtornos narcísicos de personalidade, percebendo uma falta de coesão do self desses pacientes. Para nosso autor, Self é um fenômeno afetivo, produzido pelo vínculo interpessoal. É a relação amorosa que o pai e a mãe dispõem que “carrega” o filho com o “amor por si mesmo”, base da confiança e alegria de viver.

No artigo “Formas e Transformações do Narcisismo” (1966), concebeu que o narcisismo, longe de ser superado durante o desenvolvimento, sofre uma evolução paralela da libido objetal. O resultado do desenvolvimento pulsional é a estrutura tripartite da mente e do desenvolvimento do narcisismo é o Self

Profundamente humanista, Kohut vai penetrando na psicologia humana, procurando viabilizar processos de amadurecimento, valorizando a importância do ambiente na gênese da psicopatologia.

Como todo os geniais pensadores, foi transformando suas ideias e trazendo novos conceitos para o arsenal da psicanálise. Em seu primeiro livro “Análise do Self” (1971), introduz o conceito de self-objetos (inicialmente com hífen), transferências narcísicas e internalização transmutadora; complementando suas ideias sobre ferida narcísica e fúria narcísica.

Com sua abordagem ontológica do homem, nos brinda com as metáforas do Homem Culpado e Homem Trágico (1974). A dimensão do Homem Culpado refere-se ao homem e suas pulsões, e a dimensão do Homem Trágico refere-se ao homem em sua busca de sentido existencial. Revisa conceitos basilares da psicanálise clássica, como o conceito de Complexo de Édipo e a Angústia de Castração. As propostas de Kohut não foram facilmente aceitas e possivelmente não completamente entendidas, mas nos deixou valiosos conceitos.

Percebemos que inicialmente Kohut aplica o problema do narcisismo aos transtornos narcísicos de personalidade, mas no decorrer de sua trajetória engloba todas as patologias. A patologia seria uma parada no desenvolvimento. A proposta da Psicologia do Self se radica no fato de que é oferecida ao sujeito uma nova oportunidade de atingir seu desenvolvimento pleno.

Em 1981 faz uma apresentação “On Empathy” em Berkeley por última vez e fala com muita clareza sobre suas contribuições à psicanálise. Kohut falece dia 8 de outubro de 1981. Em novembro do mesmo ano seu filho Thomas edita e publica seu último texto: “Introspecção, Empatia e o Semi-Círculo da Saúde Mental” na comemoração do 50° aniversário do Instituto de Psicanálise de Chicago.

O pensar de Kohut segue vivo dentro de seus seguidores, criando novas modalidades de pensar e tratar o ser humano, na compreensão das necessidades emocionais fundamentais do indivíduo e como essas necessidades moldam sua experiência de mundo.

Feliz aniversário Heinz Kohut! Obrigada!

Rosaura Rotta Pereira

Psicanalista SPPEL/FEBRAPSI/IPA

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

 

2 Comentários
JOSE FRANCISCO ROTTA PEREIRA
15 dias
Excelente artigo de Rosaura nos trazendo dados sensíveis mais do que históricos da biografia de Kohut, um ousado inovador da Psicanálise. Rosaura salienta alguns dos desenvolvimentos teóricos desse mestre vienense que o coloca ombreando Bion, Green, Ogden naquilo que podemos chamar de uma Psicanálise empática e intuitiva onde se privilegia uma sutil e sintônica escuta do Inconsciente com toda sua riqueza primitiva e pulsional onde o colorido das emoções dá especial sentido aos significados psíquicos.

Responder
Beatriz
13 dias
Gostei muito do teu texto Rosaura, sensível e ao mesmo tempo proporcionando um histórico pessoal do autor, bem como seus passos de formação até a psicanálise, suas principais obras e conceitos. Parabéns

Responder
Deixe um comentário