Precisa uma comunidade para cuidar de uma criança e de uma mãe suficientemente boa

‘Mãe suficientemente boa’ (Winnicott, 1956) não sabe que é... tolerar não saber é seu dom, descobre com seu filho, pela vida toda. Mãe suficientemente boa é o sonho de um bebê, de uma criança, de um adolescente, de um adulto, de um idoso, mesmo antes que consigam sonhar, ou depois que os sonhos tenham sido substituídos pela realidade; uma mãe suficientemente boa sonha seu filho, e transforma a realidade do desamparo humano. Sofre de uma ‘doença normal’, por sorte sem cura; tem ‘preocupação materna primária’, secundária, terciária...

Mãe suficientemente boa acorda com Cocoricó, e dorme, bom, não dorme... Sonha que seu ratinho, como Jerry, pode escapar das garras de qualquer gatuno, a ponto dele também acreditar. Sonha que ele é sabido, antes dele dizer qualquer palavra, Pocoyo; oferece as palavras, Palavra Cantada. Aleita, alimenta, nutre com todo esmero, holding e handling, a mente do seu Menino Maluquinho, ‘está onde ele a criar’, como se saísse da sua cabeça. Sonha que ele, atrapalhado como Charlie, vai contar com o Snoopy de estimação cuidado por ela, que vai ser seu “melhor amigo” e protegê-lo, quando ela não estiver por perto, ou falhar. Sonha que ela/e vai ter uma turminha na rua, sobreviver ao bullyng, se defender com um coelhinho, aprender a falar sem trocar as letras, ser criativo em seus planos infalíveis, curtir sua gula por um tempo, ou superar sua fase sujinha dando tchauzinho no vaso sanitário; um anjinho da guarda vai pairar e ajudar. Sonha que ele vai ser extraordinário na escola, fundamental, astronômico, para a educação de seus colegas.

Sente-se aprovada, orgulhosa e esperançosa a cada trabalhinho da sua Malala, ainda que precise que alguém leia para ela; sabe que fez parte da ‘alfabetização’ de sua pupila. Sonha que, nas férias, vai viver aventuras na casa da vó (toda mãe precisa contar com uma avó no seu interior), comer bolinhos de chuva, fazer suas reinações de Narizinho ou caçadas de Pedrinho, inventar brinquedos de pano ou de sabugo para não depender das telas. Sonha que seus embates com a “dona da razão” serão geniais como os da Mafalda, e vai resistir (quase sempre sem rir) em cada “tiradinha”. Sonha que seu filho vai “domar seu dragão” furioso na adolescência, e saber conduzir o barco pela sexualidade, como Moana, afinal “navegar é preciso, viver não é preciso”. Suporta a ‘necessidade de estar só’, respeita e reconhece a importância do diário de Anne, ou de um psicanalista; preserva a intimidade dela, até que ela decida contar para o mundo. Sonha cruzar divertidamente a infância e a adolescência, mesmo, e principalmente, quando não tem nada de divertido; aprende cuidar como ‘jogo do rabisco’, desenhando junto com o filho a vida, talvez ele/a possa ser melhor no desenho. E a mãe suficientemente boa vai ouvir histórias, muito mais do que contar, continente às sempre novas animações do filho, pronta pra resgatar personagens perdidos quando a solidão bater, até que venham os filhos dos filhos...

Catherine Lapolli

Psicanalista SPPEL/FEBRAPSI/IPA

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