Freud e a descoberta/invenção do Inconsciente

Comemora-se agora em maio o aniversário de nascimento de Sigmund Freud, possivelmente mais no ocidente, mas de todas as formas, de repercussão mundial. Não cabe fazer as contas se serão quase duzentos ou dois mil anos, nos remontando à Atenas de Péricles. Freud existiu e a humanidade depois dele nunca mais foi a mesma. O sistema solar e suas leis de gravidade nunca mais foram os mesmos depois de Newton. O cosmos depois da Relatividade de Einstein também nuca mais foi o de antes.

Cabe perguntar o que nos trouxe Freud que o faz ombrear a esses gigantes? E a resposta é uma só e de muito fácil dedução. Ele trouxe aquilo que confidenciou a Young e Ferenczi quando divisou a estátua da Liberdade entrando no porto de New York: “Eu lhes trouxe a peste e eles nem sabem”.

A peste era o que ele chamou de terceira ferida narcísica ao lado das teorias copernicanas e darwinianas, o Inconsciente. Freud não descobriu o Inconsciente, pois este já havia sido nomeado por filósofos e poetas muitos séculos e até milênios atrás, mas ele o trouxe para a luz da ciência. Ele trabalhou arduamente durante décadas para demonstrar que ele, o Inconsciente, era tão real e, podemos afirmar com convicção, tão concreto como nossa herança genética pré-humana e o movimento dos astros.

Freud partiu do conceito que explicava (não explicando absolutamente nada) que inconsciente era aquilo que não era consciente, como se soubéssemos o que era ou que é a Consciência. Hoje sabemos muito pouco sobre o fenômeno da consciência, o que se dirá então da inconsciência? O professor e o clínico vienense, ousada e corajosamente, se manteve fiel a esse conceito, desenvolvendo e sistematizando-o e à medida que corroborava em seus atendimentos médicos a presença, a ação e a fundamental importância que esse conceito tinha no comportamento humano primeiramente na patologia, prontamente se deu conta que ele se estendia a todo comportamento humano, tanto individual como social.

Junto aos estudos do Inconsciente, o tema da sexualidade e, principalmente da sexualidade infantil, fez com que Freud amargasse um enorme ostracismo, o que hoje chamaríamos de cancelamento, durante as primeiras décadas do século passado.

Se Freud não descobriu o Inconsciente podemos afirmar, com ousada licença poética que ele o inventou. O Inconsciente da filosofia e da poesia (de certa forma mães da psicanálise) não explicava o que ele buscava e portanto a partir de suas observações, tanto de pacientes como de si próprio, ele especulou e inventou o Inconsciente da psicanálise. Freud nos mostrou como o Inconsciente existia, como topicamente se localizava em um utópico sistema psíquico e como ele atuava nas emoções, no pensamento e no comportamento humano. Ele nos trouxe seu funcionamento e suas leis gerais com a preocupação de mantê-lo sempre atrelado as suas observações clínicas.

Hoje, mais de cem anos após os primeiros conceitos sobre o Inconsciente muitos autores se debruçam sobre essa investigação, porém com a humildade de saber conscientemente que é uma hercúlea tarefa. Se hoje, mais de seiscentos anos da descoberta da gravidade não se sabe a intimidade dessa força, sabemos apenas o que Newton sabia: que ela existe e como atua e ponto final. A dimensão espaço/tempo e como ele se dobra sob a ação da enigmática gravidade e se estende até a borda do universo (e o universo tem uma borda? e se não a tem como pode existir?) são temas a exigir muitas descobertas.

Freud nos trouxe essa “peste”. Além de estarmos em um mundo exterior do qual sabemos muito pouco temos um mundo interior do qual também apenas arranhamos conhecer. Paradoxalmente quanto mais se desenvolve o conhecimento mais nos damos conta da dimensão oceânica de nossa ignorância. O bônus do acesso ao mundo simbólico do pensamento de que tanto nos orgulhamos com a auto declaração de animais superiores é a matriz de nossa perseverante angústia existencial.

Muitos outros conceitos desenvolvidos por Freud em sua longeva pesquisa do humano o colocariam muitas vezes no panteão dos seres iluminados. Este nosso mundo de hoje devastado por miséria, fome e guerras, onde as forças destruidoras de um narcisismo de morte, tóxico e descontrolado ameaça literalmente a humanidade de extinção encontra explicação nos estudos da psicanálise fundada por Freud.

Freud com a descoberta/invenção do Inconsciente não deu todas as respostas e assim como acontece com a borda do universo, não haja um ponto final nessa investigação. Ele nos mostrou a nossa mais fundante condição humana e a direção da pesquisa e do conhecimento na interiorização daquilo que é mais genuíno de nossa constituição, tanto individual como de sociedade ou civilização.

José Francisco Rotta Pereira

Psicanalista SPPEL/FEBRAPSI/IPA

(Os textos publicados são de responsabilidade de seus autores)

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